segunda-feira, 23 de julho de 2012

O Par de Sapatos



Vincent Van Gogh, O Par de Sapatos, 1886 (Óleo sobre tela)


O sapato é ainda pensado aqui como instrumento (utensílio), mas ele não se mostra mais via o longo e penoso caminho trilhado por Ser e Tempo: de um “ser-a-mão”, para, ao se quebrar, ao se retirar de sua mundanidade, passar a “ser-diante-da-mão”. A obra de arte diz mais que a mera objetivação do instrumento: ela inaugura um mundo. Vejamos:

“Na obscura intimidade do oco do sapato está inscrita a fadiga dos passos do labor. No peso rude e sólido do sapato está contida a lenta e teimosa marcha através do campo, ao longo dos sulcos sempre semelhantes, estendendo-se ao longe sob o vento. No couro reinam a umidade e a riqueza do solo. Sob a sola encontra-se a solidão do caminho do campo que se perde quando a noite cai. Nesses sapatos vibra o apelo silencioso da terra, seu dom silencioso do grão que amadurece, sua secreta recusa de si mesmo no árido pousio dos campos invernais. Por meio desse instrumento perpassa a muda preocupação com a segurança do pão, a alegria sem palavras de novamente sobreviver à escassez, o frêmito do nascimento iminente, o tremor diante da morte que ameaça. Esse instrumento pertence à terra, e está ao abrigo do mundo da camponesa. No seio desse pertencimento protegido, o instrumento repousa em si mesmo.” (HEIDEGGER, Hw, p.23)

Para compreender o ser-obra da obra é necessário pôr-se na experiência pensante do circulo hermenêutico, que não mais, a partir de um princípio filosófico, aponta o que é obra de arte e o que não é, via dedução; bem com não parte da reunião de diversas obras para assim buscar um conceito de obra de arte, via indução. Por mais que esse mundo inaugurado possa parecer subjetivo, é necessário atentar para fato de que para entrarmos no circulo e não cairmos nas garras de concepções puramente estáticas ou filosóficas, temos que, em primeiro lugar, realizar a experiência da obra via a própria obra. É somente a partir dela que o mundo se funda.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Validade Hermenêutica de Aristóteles


            A partir da abordagem de fusão de horizontes enquanto momento de aplicação, que também mostra que de acordo com a história da hermenêutica é possível abordar um conceito pleno de hermenêutica composto por três tipos de hermenêuticas distintas: filológica, teológica e jurídica, Gadamer destaca o caráter aplicacional da hermenêutica teológica e principalmente da hermenêutica jurídica, e conclui que também o hermeneuta da história a todo o momento que interpreta, aplica, na medida em que supera a distancia temporal entre ele e o texto, visto que toda compreensão envolve um aspecto de aplicação. Em sua essência a experiência hermenêutica envolve três momentos, um tão originário quanto o outro, e que se dão por inter-relação sempre: compreensão, interpretação e aplicação. É essencial que ao compreender e interpretar implique-se sempre uma aplicação, ou ao menos uma articulação para uma aplicação. A aplicação remete a concretude do compreender, pois o aplicar se dá a cada momento e em cada situação concreta, e sempre de uma maneira nova e distinta.
            Partindo do princípio de aplicação que está fundado em todo compreender, Gadamer destaca a validade hermenêutica de Aristóteles, a partir de sua ética. Em oposição à filosofia intelectualista socrático-platônica, que submete o saber prático ao saber teórico, Aristóteles desenvolve sua ética, onde o bem, ou a virtude moral, não são universais e imutáveis; ou seja, para Aristóteles, não existe bem, virtude, ou excelência na teoria pura, a margem de um saber que visa à concretude da situação. O destaque aqui é dado a dissociação do divino e do humano, onde a teoria se apresenta como algo imutável e universal – típico dos deuses –; e a prática é aquilo que pode ser de outro modo, isto é, sua essência é vinculada ao mundo concreto dos seres humanos.  No livro II de sua Ética a Nicômaco, Aristóteles aborda o termo ethos e explicita seu caráter prático, dissociado de qualquer natureza e assim também de qualquer pretensão de universalização absoluta:
           
“a virtude moral é adquirida em resultado do hábito, donde ter-se formado o seu nome (ethiké) por uma pequena modificação da palavra ethos (hábito). Por tudo isso, evidencia-se também que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza. [...] Não é, pois, por natureza, nem contrariando a natureza que as virtudes se geram em nós. Diga-se, antes, que somos adaptados por natureza a recebê-las e nos tornamos perfeitos pelo hábito.” (ARISTOTELES, 1981, p.27)

            As virtudes morais não se importam com as leis universais da natureza, seu sentido válido se dá por seu reconhecimento como mutáveis e em vista de uma certa “regularidade limitada dos estatutos humanos e de suas formas de comportamento” (GADAMER, 2004, p.412).
            A atualidade hermenêutica de Aristóteles está fundada na relação que sua ética tem com o próprio conceito de ser-ai de Heidegger. Aqui cabe uma retomada deste conceito: o ser-ai, ou seja, o ser enquanto abertura, é o existencial fundamental em Heidegger, e se dá na abertura em três estruturas existenciais distintas igualmente originárias: a disposição, o compreender, e o discurso. Em uma primeira aproximação, a abertura enquanto disposição, dado a sua estrita relação com o tempo – visto que ela (a disposição) se dá em vista de nosso passado, isto é, de nosso sido; pois somos sempre já afetados pelo mundo (aqui ‘mundo’ enquanto mundanidade, ou totalidade de remissões, não um mundo no seu sentido ôntico, ou seja, enquanto ente) – mostra a quantas anda o ser e de que modo ele está acostumado com o mundo, e se manifesta através de uma disposição de humor. O compreender se apresenta como um existencial tão originário quanto a disposição, visto que “toda a disposição sempre possui a sua compreensão, mesmo quanto a reprima” (HEIDEGGER, 2009, p.202); no entanto, ao contrário da disposição, a orientação do compreender está voltada para o futuro, isto é, para nosso por-vir. Portanto, compreensão se apresenta como nosso poder-se enquanto condição ontológica da interpretação. É em vista desse conceito de ser-ai que Gadamer trabalhar a questão de Aristóteles, numa análise do comportamento hermenêutico do ser-ai, pois ele não está fundado nem no âmbito essencialmente teórico, nem no âmbito essencialmente prático. A questão é a seguinte: como nos comportamos em relação aos outros entes (coisas / objetos)? Para Heidegger, em sua análise do ser-ai, não há objeto. O termo heideggeriano que mais se aproxima de objeto é o “ser simplesmente dado”. Essa abordagem é tomada, pois como o ser-ai nunca se apresenta como um sujeito para opor-se a um objeto, sua essência é antes de tudo ser-no-mundo. Uma tomada puramente objetiva aqui encerraria em si uma contradição, visto que foi explicitado a oposição das abordagens “sujeito/objeto” e “ser-no-mundo”. O ser-ai trata do objeto enquanto estando “diante da mão”. Daqui para frente, ao usarmos os termos “simplesmente dado” e “diante da mão” estaremos sempre tratando da relação do ser-ai com as coisas do mundo. Acontece que existe um outro tipo de relação que temos com os outros  mais originária que o do “ser diante de mão”: é a do “utensílio” enquanto “à mão”, ou seja, em sua manualidade. A relação entre esses conceitos heideggerianos e outros conceitos aristotélicos, que ainda serão retomados, está apresentada no quadro abaixo:


MAIS ORIGINÁRIOS
MENOS ORIGINÁRIOS
HEIDEGGER
Utensílios
“Objeto”
Manualidade
Simplesmente dado
À mão
Diante da mão
ARISTÓTELES
Poiesis (Produção)
Episteme (Ciência)
Techne (Arte / Técnica)
Sophia (Sabedoria)

            A tabela acima mostra que tanto para Aristóteles quanto para Heidegger existe um modo de tratar as coisas do mundo mais originário que a ciência que objetiva a coisas e também que o próprio saber teórico puro, proveniente da sophia. Em Aristóteles a sophia tem primazia conceitual a episteme e a phronesis tem primazia ao conceito de techne. Phronesis é a excelência do saber prático e é comumente traduzido por prudência. No entanto tanto a teoria, quanto a prática se dão sempre no Logos, mas já em Aristóteles existiria, o que poderemos chamar aqui de um outro tipo de consciência, que está acima do Logos: o Nous, que Heidegger entende como sendo a estrutura prévia da compreensão. Por sua vez, os famosos conceitos de potencia e ato de Aristóteles, aqui são tomados como as condições internas que permitem transições; é o modo que me comporto numa situação concreta que efetiva o ato. É pelo compreender que a situação concreta aparece, e o bem, como constituinte do saber prático, só se mostra na situação concreta. O bem agir, dado sua essência de ação, é sempre um novo bem a cada situação concreta, visto que na situação concreta a urgência á fundamental, pois exige sempre uma nova tomada de decisão. Todos esse conceitos relacionados à prática demonstram sua oposição categórica para o saber teórico e desvincula um de outro na medida que mostra que não é possível utilizar-se de construtos teóricos para mandar no agir, nem mesmo em vista de um método de ação. Não existe nenhum método para a vida moral; nem mesmo o hábito, destacado pelo conceito de ethos, é um método; pois por mais que se conheça os pressupostos de uma situação a partir de vivencias anteriores, a decisão, ou o agir, é sempre uma nova situação; ou seja, só a disciplina não dá conta.
            Voltando a Heidegger, com o intuito de ressaltar a importância da abordagem gadameriana sobre a validade hermenêutica de Aristóteles, tomemos o conceito de “em vista do que”, ou “em virtude de que” (Worum-willem). A questão proposta por Heidegger é a de que nosso ser não pode ser analisado nem como utensílio (à mão), nem como objeto (ao alcance na mão). Heidegger nos parágrafos 29 e 30 de Ser e Tempo trabalha com o conceito de “angústia”: para ele não nos angustiamos com os entes, mas com o mundo (totalidade de remissões); ou melhor, nos angustiamos com o nosso próprio ser-no-mundo. O mundo enquanto totalidade de remissões produz uma série de “para-quês”, ou seja, para que o utensílio serve; o problema é que não encontramos um “em virtude de que” esse “para-quês” se organizam. E é na angustia, na pergunta pelo “em virtude de que”, que o mundo é reduzido a um “nada” (nicht). O nada surge exatamente do conceito de ser-ai enquanto projeto, visto que nele não há encerrado nada de essencial. No entanto o caráter positivo da angustia é que é nela que nosso ser se abre para se compreender mais propriamente, pois compreender que somos um nada é compreender que somos um projeto, ou seja, somos em movimento. Neste ponto Heidegger se apropria da abordagem nietzschiana da interpretação a partir da finitude, dada como constituinte de nosso ser-ai. A diferenciação é que para Heidegger, Nietzsche com sua “vontade de potencia” encerrou o último paradigma da metafísica e inclusive afirma, talvez para o desgosto de seu antecessor, que ele seria, por conta disso, o mais irrestrito platônico da história da filosofia (HEIDEGGER, Sem data). Outro termo que ressalta o caráter de que nossa vida, tomada mais propriamente, não possui consolo metafísico algum, ou seja, não pode ser objeto de construto teórico, é o abismo (abgrund) – tradução literal: sem chão – que aparece em Kierkegaard: para esse existencialista cristão, na angústia somos levados a tomar uma decisão: ou você salta, ou você recua.
            A retomada da questão aristotélica passa por essas observações, pois Aristóteles tem um termo concorrente ao “em virtude de que” heideggeriano: traduz-se da mesma forma: “em virtude de que” (houheneka). Em Aristóteles o conjunto de todos os “para-quês”, ou melhor o seu “em virtude de que” é a felicidade (eumaimonia). Acontece que mesmo que Aristóteles admita que seja possível atingir a excelência em ambos os campos (teórico e prático), é possível tomar uma leitura de Aristóteles onde no campo da prática é que a felicidade se dá, pois a excelência da prática só se dá na prática, e ela, com já mencionada, é a phronesis. A virtude prática é a ação (práxis) e a phronesis, como prudência é a ação reiterada; ou seja, é preciso manter certa disposição, para afirmar a virtude a todo tempo e a cada situação nova. A questão, que já se mostrava nas digressões a cerca da angústia heideggeriana, é que de antemão, o que é correto fazer, não é dado; é necessário saber de novo o que fazer, enfrentar novamente os desafios. Heidegger traduz o termo phronesis como “consciência”, seu intuito é atentar para a necessidade de se atender o clamor da consciência. Aqui consciência não é tomada como apenas uma substância pensante, é mais que isso, é um conhecimento de nosso próprio ser. Por isso a phronesis não pode ser esquecida; ou você a tem, ou não a tem; o saber que diz respeito a ela não é de memória, e nem pode, pois ele é sempre novo a todo o momento. A phronesis é a própria consciência em movimento. Estar consciente é portanto perceber-se a si mesmo, e tornar a ação transparente é fazer com que eu perceba mais propriamente meu próprio ser.
            O objetivo de Gadamer ao retomar Aristóteles é demonstrar que toda e qualquer ciência do espírito não pode utilizar do paradigma do saber teórico em primazia ao prático. Na Grécia antiga, antes mesmo de Aristóteles, o saber teórico era vinculado ao saber matemático, ou seja, algo imutável e perene – o próprio pitagorismo é exemplo dessa relação; como uma das influencias a Platão (filosofo intelectualista), o pitagorismo tomava os números como tendo um caráter divino. As ciências do espírito não compartilham dessa abordagem, pois tratam daquilo que pode ser de outro modo, ou seja, elas se apresentam como ciências morais, isto é: seu objetivo é o saber que o homem tem sobre si mesmo. Dada a característica hermenêutica do nosso próprio ser-ai, já destacada acima, fica claro que ao analisarmos qualquer assunto que diz respeito diretamente ao homem é necessário tomarmos a abordagem aristotélica da prática, pois como ao contrário da techne que produz a partir de matérias dados, a phronesis, sem material, só pode produzir o próprio homem. O homem em formação, por meio da phronesis, produz a si mesmo.
            Aqui Aristóteles se opõe, via Gadagmer, a uma abordagem kantiana, que a meu ver tem um fundo platônico, pois o apelo do primeiro é para a concretude de nossa vida cotidiana e do segundo para um formalismo; no que diz respeito à abordagem, a de Aristóteles é claramente hermenêutica e a de Kant é a de fundamentação teórica. Aristóteles demonstra a relação que a técnica tem com o saber moral e estritamente com o direito, pois assim como o artesão que usa dos materiais disponíveis, e só na aplicação a um caso particular é que ele os adequa, e a cada vez de uma forma nova, o jurista também adequa a lei, que é universal, a situação concreta, que é particular: a adequação é a verdadeira ação do direito. O termo que designa essa adequação já está em Aristóteles: equidade (epieikeia). Esse termo caracteriza a própria adequação da lei a cada caso, pois ser justo não é ser sempre o mesmo. A hermenêutica jurídica, que tem importância como paradigma a ser seguido pelas ciências do espírito, possui como característica primordial a aplicação da lei, que é sempre abstrata e deve ser adequada a situação concreta por meio da equidade. A equidade deve ser portanto uma virtude do bom juiz.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Abril Cultura; São Paulo. 1978

GADAMER, Hans Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 6. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2004.

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

HEIDEGGER, Martin. A doutrina de Platão sobre a verdade. Disponível em: http://moodle.ufsc.br/mod/resource/view.php?id=268993. 

segunda-feira, 9 de julho de 2012

FOUCAULT, O FILOSOFO DA CONCRETUDE

Vinicius Nesi
Prof.° Dr. Selvino J. Assmann
UFSC – Universisade Federal de Santa Catarina
Filosofia – Filosofia Política II
10/07/2012


RESUMO: O presente trabalho visa estabelecer relações entre a abordagem filosófica do filosofo francês Michel Foucault e o filosofo alemão Martin Heidegger, a partir dos seguintes trabalhos: O Sujeito e o Poder (Foucault); Totalitarismo ou biopolitica do filosofo italiano Roberto Esposito; e O Abuso de Obediência do filosofo francês Fréderic Gros. O objetivo desta relação é caracterizar Foucault como um filosofo da concretude em oposição a abordagens filosóficas abstratas que tratariam erroneamente o homem como mero objeto.

Palavras-chaves: Foucault, Heidegger, concretude, racionalização, discursos de verdade.

1.                  INTRODUÇÃO

As relações entre filósofos sempre são difíceis de estabelecer e defender. Na verdade, o intuito do trabalho que se segue é muito menos de apontar similaridades pontuais entre dois filósofos tão distintos e que abordaram assuntos tão diversos, do que apresentar a importância de um estudo filosófico mais completo que tornar-nos-á interpretes mais competentes de nosso tempo. A partir de filósofos que são contemporâneos a nós, como Esposito e Gros, tentaria mostrar a validade do espírito heideggeriano na abordagem filosófica de Foucault. No entanto, não pretendo que o apelo para essas relações seja suprido por aqui, ao contrário, como esse trabalho é apenas fruto de uma intuição que ainda a de ser muito mais explorada futuramente, pretendo que o leitor o utilize muito mais como inspiração para futuras leituras, do que tome minhas impressões como verdades consumadas, que poderiam limitar sua análise.
           
2.                  Foucault, o filosofo da concretude

A questão levantada logo de início no texto O Sujeito e o Poder de Michel Foucault, contrariamente ao que normalmente poderíamos esperar deste autor, que sempre foi caracterizado pelo seu estudo do poder, é que seu trabalho não se concentrou, numa primeira abordagem, em analisar os fenômenos do poder, mas sim, em estudar como se dá a transformação de seres humanos em sujeitos (FOUCAULT, 1995, p.231). O termo ‘sujeito’ aqui pode ser mal interpretado, pois é comum ligarmos a noção de sujeito com alguém que está em oposição ao objeto. Não é o caso. Foucault trabalha com uma noção não muito usual, mas que aparentemente é mais apropriada ao termo, visto que, sujeito aqui é aquele que é sujeitado. O filosofo trata então da objetivação do sujeito, ou seja, o fato de tornarmos os seres humanos meros objetos de pesquisa. Aqui já implicaria uma caracterização inicial de uma certa abordagem de biopoder – o termo escolhido é as vezes tratado por Foucault como sinônimo de biopolítica, mas em geral diz respeito a qualquer exercício do poder que reduz a política a vida biológica –, visto que, a meu ver o fato de se tratar o homem como mero objeto de pesquisa, já o caracteriza como um ser apenas abstrato, isto é, um ser que não é nada além daquilo que representa enquanto objeto de uma investigação. Claro que irão dizer que apenas tornar seres humanos em sujeitos não caracteriza nada de biopoder, pois a mera investigação objetiva não é capaz de produzir medidas políticas que tratem o homem como mero ser biológico. No entanto, a meu ver, esse tratamento do tipo sujeito/objeto – no caso aqui o objeto é o próprio homem –, que se deu principalmente a partir da modernidade, e nisso espero que Foucault concorde comigo, já traz encoberto certa postura que faz com que homens tratem outros homens apenas como objeto, nunca como um igual. E é isso que quero afirmar aqui: a objetivação do sujeito é uma medida que pelo menos antecipa uma atitude de biopoder.
Gostaria de fazer aqui duas observações iniciais sobre dois filósofos distintos: a primeira a respeito de um pensador que me é muito caro: Heidegger; e a segunda é para enfatizar uma oposição a ele, enquanto representante de uma certa escola filosófica: via Esposito. Heidegger tem em sua abordagem hermenêutica uma repulsa aos termos sujeito e objeto. Para ele, nenhuma pesquisa poderia se inclinar para tal perspectiva, visto que seu existencial fundamental, o Ser-aí – o nosso ser, o ser do homem, o ser enquanto “abertura” –, é antes de tudo um ser-no-mundo, ou seja, somos, numa abordagem existencialista, primeiramente uma totalidade de remissões, em vista de um já sido, com inclinação para um por vir que se dá na abertura, com limitações, pois o limite é constituinte fundamente de nosso ser (HEIDEGGER, 2009, p.193-199). Essa condição não nos deixa capaz de caracterizar o homem como um sujeito em oposição a um objeto, pois trata dos entes do mundo (coisas) sob duas novas perspectivas: “à mão” e “diante da mão”. O “diante da mão” é o que mais se aproxima do termo ‘objeto’, pois é aquela perspectiva que temos das coisas somente quando as vemos fora de nossa mundanidade. Heidegger usa o exemplo do martelo para demonstrar seu “diante da mão”: o martelo é um “para-quê”, e ele só se apresenta a nós quando se quebra, pois não nos damos conta dele enquanto estamos a usá-lo. E é esse uso que é o “à mão” de Heidegger. Para esse autor existe um modo mais originário de tratar os entes, que é tratá-los enquanto utensílios, em sua manualidade. Esse tratamento é anterior até mesmo a proposição, mas nem por isso deixa de ser o mais importante a ser trabalhado (HEIDEGGER, 2009, p.202-209). A questão, a partir de Heidegger, que quero propor, e aqui acredito que mais uma vez Foucault concordaria comigo, é a seguinte: o homem não pode ser nem tratado como um ente “à mão” e muito menos “diante da mão” (objeto), isso se se quiser fazer um estudo com mais propriedade dele. Seria até contraditório fazer isso, pois somos apenas o existencial fundamental (ser-ai), ou seja, não somos nada além disso, de um ser-no-mundo, isto é, nossa existência não está fundado em “para-quês”, como um utensílio; na verdade a conclusão de Heidegger é que ela não está fundada em nada.
Como havia a antecipado, a oposição a Heidegger se dará via Esposito, que em seu texto Totalitarismo ou biopolitica usa Heidegger como um dos expoentes de uma abordagem filosófica que caracteriza a história enquanto filosofia da história, em oposição aqueles que trataram, mais recentemente, de abordar a história como sendo história das filosofias (ESPOSITO, 2008-2009), e aqui incluo, por minha conta, Foucault como um dos expoentes. O que Esposito explicita aqui, é que Heidegger é um dos que tenta adaptar as mudanças históricas de tal modo que se enquadrem a seu construto teórico-filosofico (ESPOSITO, 2008-2009). Mesmo com o desejo de ficar a parte de uma discussão se Heidegger é ou não é um desses filósofos da abstração, quero atentar para o fato de que ele, ao contrário, sempre afirmou a concretude e se construtos teóricos tem alguma validade para este alemão é apenas enquanto teoria, nunca como uma representação da realidade. A margem de opiniões um tanto quanto parciais, quero ressaltar a validade de Esposito, no que diz respeito a sua interpretação dessa oposição, pois para ele os conflitos modernos se dão em vista de um choque de correntes filosóficas que querem se afirmar como superiores umas as outras; e nisso não posso discordar. Além disso, filósofos como Foucault não se perguntam mais sobre as origens dos fenômenos, tal como fez Hannah Arendt, mas sim, os vêem entrelaçados por diversos fatores, dos quais não somos mais capazes de desatar os nós para podermos visualizamos as origens e a sequência da história tal como ela se deu de fato (ESPOSITO, 2008-2009). Esse ‘de fato’ já é em si uma abstração, pois somos sempre interpretes de nosso tempo, lemos a história com critério, mas de tal modo que ele faça sentido para nós no nosso tempo e no nosso mundo. Essa atitude é antes de tudo hermenêutica, pois afirma a inter-relação e a inter-determinação, afirma também o diálogo, e é só em vista dessa concretude, nunca da abstração sujeito/objeto, que podemos entender os fenômenos que falam do homem, com mais propriedade. Aqui vemos que há uma leve retomada de Heidegger, pois mesmo ele, nunca tratou as coisas de dizem respeito a ação humana como mero objeto.
Mais uma vez gostaria de tocar no nome de Heidegger para tentar elucidar uma questão de Foucault. Na verdade a questão foi levantada por Gros, em seu texto em homenagem ao aniversário de 20 anos da morte de Foucault: O abuso da obediência. Heidegger ao tratar o homem antes de tudo como ser-ai, nos fornece a seguinte premissa: se somos apenas esse existencial fundamental e nada justifica nossa existência logo de saída, então não temos pressupostos essencialistas que sustentem ou que tentem afirmar modos de ser e de agir. O que isso quer dizer: não temos necessariamente de obedecer pretensos discursos de verdade, pois nada é verdadeiro a priori, a verdade só se dá no fato. E mais ainda, discursos que comumente são ouvidos, tais os de religião, ou mesmo de filosofia essencialista, nada tem a nos dizer que de fato precisamos ouvir. Gros ressalta que foram a partir desses discursos de verdade, ou melhor, de nossa vocação (aqui vocação não como uma essência do ser, mas como uma certa atitude conformista e até mesmo fatalista) para a aceitação da tais discursos que tornamo-nos seres que obedecem sem o menor pudor; e isso a meu ver é vergonhoso, dado a premissa heideggeriana. Além disso, é nessa atitude abusiva, tanto dos que mandam, quanto dos que obedecem, que são criados construtos que visão inventar a história do próprio homem (GROS, 2004), e também construtos que tornam os seres humanos sujeitos, ou seja, objetivam sujeitos.
Agora posso retomar o texto Sujeito e Poder; o intuito aqui é afirmar neste texto as perspectivas levantadas acima sobre a filosofia de Foucault, e não fazer uma resenha deste texto. Foucault mostra como são feitas tais objetivações: a partir de uma visão cientificista; em vista de “práticas divisórias” do sujeito – por exemplo: doente e sadio, louco e são, etc –; e por último, a abordagem do sujeito de sexualidade (FOUCAULT, 1995, p.232). A questão é que todas essas formas de objetivação são em última instância racionalizações de nossa existência, ou seja, são abstrações de nosso ser, ou melhor, refletem pretensos discursos de verdade. Importante apontar sobre o estudo de Foucault realizado nos últimos anos, a saber, A História da Sexualidade, que mesmo este trata da sujeição do homem a discursos sobre sexo, pois só a partir destes discursos que se pode falar em sexualidade. Sexo sem discurso não é sexualidade. Desejo lembrar aqui que os discursos sobre sexo são, em geral, na nossa sociedade contemporânea, voltados para o biopoder, e até mesmo para biopolítica, pois falam de como devemos nos comportar diante de sexo, como por exemplo, no uso de preservativos. É, portanto ressaltando essa atitude de objetivação que Foucault tomou a questão do poder. O problema aqui é o seguinte: as formas de objetivação do sujeito são estudas a partir de instrumentos específicos, mas para o poder não há instrumentos; para o poder é necessário, segundo Foucault, e a meu ver com acerto, apelar à concretude, ao contrário da abordagem racionalista típica dos que objetivam o sujeito, ou seja, o autor quer perguntar o que legitima o poder e como ele se dá como instituição em nossa sociedade, ou seja, quer saber o que é o Estado (FOUCAULT, 1995, p.232). Mais uma vez vejo relação entre Foucault e Heidegger, visto que o apelo aqui não é a fundamentação teórica num sentido formalista, mas uma visão hermenêutica que trata das coisas do mundo concreto. O sentido hermenêutico é explicitado no texto de Foucault quando ele lembra a necessidade de tomarmos consciência histórica para a conceituação (FOUCAULT, 1995, p.232), pois conceituar algo não é mera abstração a partir de um plano imutável e perene; toda hermenêutica visa um dialogo com o passado no sentido de realizar uma fusão de horizontes, essa fusão é sempre uma aplicação no campo concreto a partir da interpretação, com a apreensão do passado em vista do presente. Além disso, Foucault lembra que toda questão do poder é antes de tudo uma experiência concreta, uma experiência do homem, ou seja, não é uma questão de caráter meramente teórico.
Por fim, algo que desejo ressaltar é a definição do papel da filosofia para Foucault, em vista de analisar o problema da razão. O autor afirma que a filosofia deve vigiar os excessivos poderes da racionalidade política. Pois bem, ao estudarmos o poder devemos lembrar-nos da sua estrita relação com a racionalização. Foucault acertadamente, e afirmando as questões levantadas acima, apresenta a razão como não sendo objeto de culpa ou inocência (FOUCAULT, 1995, p.233). As razões para essa decisão são obvias, pois somos antes de tudo seres dotados de razão – razão aqui não é a capacidade de discernir, mas apenas nossa condição cognitiva (e nisso Heidegger concordaria) –, e além disso, não queremos cair no binômio, racionalista e irracionalista (FOUCAULT, 1995, p.233) – essa abordagem em si implica uma abstração que não queremos tomar. Para Foucault a filosofia já trilhou essa caminho errado antes, como por exemplo ao analisar o Iluminismo enquanto origem de fenômenos totalitários contemporâneos, como fez a escola de Frankfurt; no entanto, no entanto o filosofo não desmerece estes trabalhos (FOUCAULT, 1995, p.233), ao modo heideggeriano de tomá-los como meros construtos teóricos. Aqui atentar para a relação desta perspectiva frankfurtiana com a já supracitada oposição levanta por Esposito: esses filósofos concentram-se em descobrir as origens de seus problemas. Foucault, ao contrário, dado sua abordagem concreta, nunca tomaria a racionalização como um todo, mas sempre a partir de experiências concretas fundamentais, por exemplo: loucura, morte, crime, etc (FOUCAULT, 1995, p.233). Ou mesmo, mantendo-se fiel as suas tendências já levantadas, estudar o poder a partir de fenômenos de resistência (FOUCAULT, 1995, p.234). O importante aqui, e é isso que venho ressaltar, é que a abordagem foucaultiana antes tudo visa construir projetos hermenêuticos que se relacionam concretamente, com a realidade de nosso tempo, e nunca a partir de uma abstração que nada tenha a ver com nosso mundo.

3.                  CONCLUSÃO

Acredito que na medida do possível, dado a limitação física do texto, consegui ressaltar relações entre a abordagem filosófica de Foucault e a abordagem filosófica de Heidegger. A questão, como apresentado na introdução, não foi apenas destacar pontos em comum entre os dois, mas antes de tudo, mostrar que apreensão das similaridades a partir da explicitação dos traços fundamentais de cada um, tornar-nos-á capazes de desenvolver um estudo sistemático da filosofia de forma mais completa, e assim compreenderemos melhor o tempo de cada filosofo em específico e por fim nosso próprio tempo. Em relação ao texto, o importante para mim foi ressaltar que a abordagem foucaultiana, antes tudo, visa construir estudos hermenêuticos que se relacionam concretamente com o mundo, com a realidade de nosso tempo, e nunca a partir de uma abstração que nada tenha a ver com o lugar e o tempo em que vivemos.

4.                  referencias bibliográficas

GROS, Fréderic. L’abus d’obéissance. Em: Libération, 19 e 20 de junho de 2004. Paris, Caderno intitulado Le feu Foucault, p. XI. Trad. Portuguesa Selvino J. Assmann.

FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1995.

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

ESPOSITO, Roberto. Totalitarismo o Biopolitica: Per un’interpretazione filosofica Del Novecento In: Termini Del política. Comunità, immunità, biopolitica. Milano-Udine, Mimesis Edizioni, 2008-2009, p.171-81. Trad. Portuguesa de Selvino J. Assmann.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O que é Filosofia?


A resposta a pergunta, “O que é filosofia?”, num primeiro olhar, se estabelece difícil de ser respondida. A proposta corrente que tem ecoado de forma persistem nos meios acadêmicos e literários, pelo menos em minhas observações, tem um tom de paradoxo. Mesmo assim, não gostaria de fazer uma crítica negativa a priori desta resposta, pois, talvez em uma análise mais apurada possamos achar coerência filosófica neste paradoxo lingüístico, que dado sozinho cheira como um argumento insuficiente. Pois bem, minha primeira resposta trata de tornar sinônimos o substantivo “filosofia” e sua forma verbal, o “filosofar”. Outra forma de responder a essa questão, a qual, devido certamente a minha paixão pelo estudo filosófico, não me agrada muito, mas infelizmente na maioria das vezes é aplicada aos filósofos, (aqui tratarei como filosofo o profissional graduado em filosofia) é a que classifica a filosofia como um ofício puramente técnico que é desenvolvido nos meios acadêmicos – no ensino, na pesquisa, ou na extensão – ou simplesmente por professores da educação básica. Sendo a idéia inicial deste trabalho dissertar sobre a visão pessoal do conceito filosofia, tentarei a seguir unir minhas impressões a respeito do termo com a primeira resposta proposta, deixando de lado a segunda opção por motivos já expostos.
Em minha opinião a filosofia deve estar de mãos dadas com a curiosidade, portanto não deve abrir espaço para o engessamento do pensar. Daí vem o primeiro objetivo da filosofia, a fuga do dogmatismo. Em sua empreitada inicial a filosofia estabelece uma desconstrução do conhecimento, ou melhor, do conhecimento aparente, e neste processo traz a luz outro termo que a meu ver é importantíssimo e que se mostra fundamental a perpetuação do pensar do filósofo, pois é ele que move a manivela que nunca cessa de girar: o “espanto”. É o espanto que mantêm a curiosidade epistemológica sempre viva, sendo – utilizando vocábulos modernos – um movimento psicológico, que faz com que o homem mantenha sua incessante busca.
Na desconstrução do conhecimento aparente, o filosofo pode estabelecer que dois ou mais argumentos concorrentes tenham a mesma valia, caindo assim, nas garras do relativismo ou do ceticismo. Desta forma a filosofia chega a uma encruzilhada, pois, ao abandonar o dogmatismo fixou-se por linhas tortas duas saídas que não condizem com a opção filosófica: o ceticismo, que diz que não é possível afirmar, nas condições acima citadas, qual argumento demonstra conhecimento, e o relativismo epistêmico, que procura mostrar que todos os argumentos são válidos. O filósofo deve descartar qualquer uma dessas saídas, visto que ser cético é o mesmo que abandonar a busca e ser relativista torna a busca algo sem razão. Abandonar também devido ao fato de as escolhas apresentadas serem incapazes de terem relevância prática. E até manifestam-se como inviáveis para as necessidades da vida cotidiana, sendo que, a meu ver, a filosofia deve permanecer num diálogo contínuo com a realidade prática e aprender com ela.’
Portanto em sua busca que culmina na desconstrução epistemológica e em seguida na encruzilhada cética-relativista o filósofo deverá dar um salto em busca da verdade, no entanto este novo conhecimento deve ser eternamente posto a prova e, na medida em que for possível, desconstruído novamente, num ciclo contínuo, tornando a filosofia uma prática, uma ação, seja do pensar, seja na apreensão da realidade. Agora sim podemos entender a primeira resposta apresentada, em que a filosofia é o filosofar, pois o filosofar é a ação que gera a filosofia e a filosofia é algo intrínseco desde processo.

terça-feira, 26 de abril de 2011

O Pseudo-Sexualismo

Poderão dizer que o tema objeto de meu texto de hoje seja polêmico, mas acredito que não é mais polêmico do que muitos outros já tratados neste blog; no entanto admito que sobre este tema, não tenho tanto conhecimento quanto os demais. Com isso não quero dizer que eu seja um especialista em todos os outros assuntos tratados aqui, muito pelo contrário; o que proponho e sempre propus, mesmo que não abertamente até agora, é seguir uma tradição de textos livres, de opinião e intuição, sem deixar de serem filosóficos, por mais que tenham baixa propriedade técnica, a qual sigo com grande admiração – mas, é claro, lembrando a ressalva válida a qualidade literária – a Bertrand Russell. Prometo que em postagens posteriores trarei de explicar melhor esta tradição, da qual, livremente e de forma abusada tento fazer parte.

Quero mais uma vez reforçar minha incapacidade de referenciar tecnicamente o texto a seguir, portanto buscarei ser mais sucinto e direto que outros já escritos.
Pois bem.
“O que tratarei é da sexualidade. Ou será da opção sexual? Não sei.”
Usei esta frase de introdução para mostrar minha ignorância, no entanto pretendo acabar sendo claro em minha opinião. E minha opinião é a seguinte: parece-me que a questão de opção sexual, ou melhor, a necessidade de escolhermos uma opção entre tantas, é algo ridículo e não aplicável a vida saudável. Para ser mais claro: heterossexualismo, homossexualismo, bissexualismo, transexualismo, e tantas outras opções (serão mesmo opções?) mais obscuras, mas não menos relevantes, para mim apresentam-se como brutalidades a nossa liberdade sexual e frutos de uma tradição discriminatória que mesmo com movimentos modernos de tolerância acabam mantendo-se em voga.

O objeto aqui é: porque simplesmente não tratamos nossas diferenças (ou serão igualdades?), mesmo que ocultas, apenas por sexualidade? Quero dizer que o ser humano não é levado de modo inato a definição por uma das formas supracitadas. Bem como, numa visão existencialista, torna-se muito mais claro a não necessidade de taxação aos moldes atuais.
Minha opinião é a de que sejamos todos “sexuáveis”, não limitando-nos a clichês e padrões pré-estabelecidos. Acredito que quanto mais livres tornemo-nos, mais feliz seremos neste pequeno, mas importante fator de nossas vidas, a chamada vida sexual.

Cristãos e outros religiosos me tratarão com repulsa, bem como alguns cientistas dogmáticos, mas parece-me claro que enquanto ainda entenda que nossa vida é formada por nós mesmo e o que é inato limita-se em especial ao físico, não ao psíquico, a formação de nossas experiências deve estar aberta, sempre é claro, com a devida responsabilidade para conosco e com o engajamento proposta à humanidade. Portanto discursos tradicionalistas e limitadores embasados em crenças não comprovadas, ou ao menos com justificativas fracas, como no caso da ciência dogmática, devem ser deixados de lado, em prol de nós mesmos e de uma provável e possível feliz mudança sócio-comportamental.

sábado, 2 de abril de 2011

Black Swan - O Belo E A Moral


Assistir, discutir e estudar cinema a muito tempo são coisas que me dão extremo prazer. Ultimamente venho falando muito sobre filosofia, devido a meus estudos e a importância que a meu ver este assunto demanda. Para esta postagem tentarei unir as duas discussões, mas com uma inclinação a minha paixão supracitada, o cinema. É importante lembrar que a estética, o belo, as artes, são temas recorrentes na filosofia, portanto de certo modo, para um discurso correto e com propriedade, fica difícil falar de artes em geral sem falar ao mesmo tempo de filosofia. Não pretendo abordar com profundidade um tema que persigo com entusiasmo, que diz respeito a que tipo de cinema – ou como o cineasta e teórico Robert Bresson prefere chamar, cinematógrafo – é arte e não apenas uma representação comercial – o teatro fotografado de Bresson. Tratarei de uma nuance menos complexa, mas em contrapartida não menos importante.
Para isso tomemos o filme, diga-se de passagem, com grande apelo comercial, Cisne Negro (Black Swan) 2010 do ótimo cineasta America Darren Aronofsky, um dos melhores de sua geração. Este filme é exemplo de direção competente, uma verdadeira aula. Belíssimo em toda sua técnica e inovador em sua forma, mesmo se tratando de uma espécie de exacerbação do teatro fotografado de Bresson. Exatamente por assim o ser, exagerar – neste caso o exagero é bem vindo – em sua estética, é que a obra se torna tão única e provocadora.
Por outro lado a discussão e a controvérsia gerada por sua temática, seu roteiro, é digna de nota. Falo sobre a forma que foi apresentado ao público o trabalho dos bailarinos de primeira grandeza, talvez – não posso entrar no mérito da causa por puro desconhecimento – exagerando, desta vez, a dificuldade, o martírio e o pressão exercida sobre estes profissionais. Ouvi e ainda ouço inúmeros formadores de opinião e/ou repetidores delas, vistos em meu dia-a-dia ,contestando a forma que a arte da dança foi mostrada, forma que para estes distorce a realidade, portanto celebrando uma mentira.
Infelizmente meus caros, sinto dizer-lhes, estão todos equivocados . Parafraseando Schopenhauer, “os amantes e os românticos podem contestar minhas teorias, mas as suas criticas não procedem”. Neste caso o que não procede é o triste discurso do moralista de plantão – assim mesmo, com a utilização deste clichê. Até entendo as implicações éticas que qualquer obra artística deve considerar, mas no caso de Black Swan, não posso deixar de enaltecer o filme em prol de uma mera picuinha vinda de ignorantes, no que diz respeito a cultura cinematográfica. Essa briga é mais uma prova da necessidade de todas as pessoas em uma sociedade que se diga evoluída, democrática e participativa, obterem máximo de informação cultural, possível nas mais diversas áreas do conhecimento. Somente assim uma disputa retórica poderá ser nivelada e evoluir para um consenso. Se não for desta forma, ficaremos fadados ao mero discurso ideológico.
No caso do filme em questão é necessário dizer que sua representatividade como uma espécie de mini-vanguarda cinematográfica torna-se muito mais relevante que a controvérsia gerada por ele. Além disso, se não fosse por seu roteiro, em inteira concordância com a estética utilizada, a obra não seria tão grande, coesa e perfeita. Por fim, meu pedido, meu desejo, é que tornemo-nos mais sábios e isso implica não somente na obtenção do conhecimento, mas também na idéia lógica de que somente devemos utilizarmos o principio de contestação, de crítica, na medida que tenhamos plena ciência do que falamos, que estejamos convictos de nossa possibilidade de defesa. A possibilidade de defesa não quer dizer que vencermos o discurso previamente, mas que compreendemos o problema por completo, não somente no que diz respeito a nossa posição. Assim avançaremos em uma discussão onde certamente a verdade e o consenso surgiram.

domingo, 27 de março de 2011

Verdade, Conhecimento e Discurso

Neste texto tentarei apresentar rapidamente três temas que a meu ver são, nos dias de atuais, banalizados e menosprezados em nossa sociedade: Verdade, Conhecimento e Discurso.

A ligação entre os dois primeiros temas citados, Verdade e Conhecimento, parece lógica, e realmente é. Para começar lembremos que uma determinada sentença para ser considerada Conhecimento, conforme primeiramente mostrado por Platão e hoje em dia visto em uma perspectiva padrão, ou seja, pelo próprio senso comum, deve satisfazer três condições: uma crença deve ser justificada por uma teoria e admitida como verdade por uma evidência. Portanto, a crença, a justificação e a verdade deverão coexistir para que o a sentença seja tida como um conhecimento.
Este tipo de procedimento apresenta muitos problemas, os quais são objetos de critica a filosófica Platônica, visto que para o filósofo encontrar a evidencia, muitas vezes deixava-se o universo sensível e passava ao universo das formas, tornando sua doutrina menos prática. A evidência que torna a crença verdadeira normalmente só era encontrada via metafísica, ou seja, a verdade seria algo para os deuses.

É nesta crítica que muitos ceticistas se baseiam ao apresentarem teorias que minimizam nossa capacidade de encontrar a verdade e chegam a somente a admitir que um conhecimento verdadeiro esteja em sentenças auto-evidentes – onde a evidencia se apresenta na própria sentença – tais como “2+2=4” ou “A=A”.
Entretanto mesmo que aceitarmos a dificuldade de acreditar em certas verdades menos palpáveis, não podemos deixar de reconhecer que algumas crenças podem ser tidas como conhecimento apenas por serem justificadas. Temos, nestes casos, por exemplo a “gravidade”, que é justificada por todo um estudo experimental que nos dá uma certa segurança, visto que abrangendo eventos passados esta crença não dá a certeza para eventos futuros. A justificativa se apresenta em uma teoria que não pode ser tida como verdadeira, em especial segundo um olhar cético.

Por outro lado, o ceticista nos dirá: nos não temos certeza de praticamente nada; não conhecemos nada; mas para termos uma saída racional, entendemos que algumas justificações são mais fortes que outras, portanto devemos tomar atitudes baseadas na provável verdade que estas crenças apresentam.
Aqui está demonstrar a dificuldade de encontrarmos um conhecimento teórico ou prático, com o mínimo de complexidade, onde a verdade seja evidenciada. Portanto vejo com ressalvas os inúmeros discursos apresentados das mais diversas formas, onde agentes dos discursos agem como donos da verdade, aos moldes de um neo-platonismo. Tenho certeza que grande parte deste pseudo-sábios tem noção de seu erro quanto a falta de veracidade em seus discursos, mas o fazem pelo poder da alienação e subjugação social.

Visto a impossibilidade de alcançarmos a verdade, em um sentido restrito, parece-me que a disputa pelo poder não mais se dá no campo da discussão de quem tem o dom da persuasão, da retórica ou até mesmo da erística. Não obstante, o confronto se dá a priori, portanto através de possibilidade de realizar os discursos. Melhor entendido, o poder será de quem tiver a capacidade de discursar e para isso, no mundo capitalista, nada melhor que a mídia comercial, e no âmbito político nada como a alienação pela panfletagem populista. Lembrando que, no caso, os dois sistemas são um a extensão do outro.

Para finalizar gostaria de deixar a sugestão de um texto que escrevi sobre as possibilidades da democratização do discurso pela internet. Este baseado em uma releitura de Foucault.

Notas Sobre Um Paradigma da Informação


segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Terceiro Setor Contra a Escola Capitalista


Resolvi, desta vez, escrever um texto menos filosófico e mais prático. Não que a prática não faça parte da filosofia, ao contrário; é só vermos, por exemplo, a corrente do Pragmatismo ou mesmo o sentido filosófico de Práxis. Fui impulsionado pela leitura de alguns artigos recentemente estudados sobre as possibilidades do terceiro setor e sobre as impossibilidades de uma educação libertária em uma sociedade capitalista.
Vou tentar explicar simplificadamente a incoerência que, no meu entendimento, se apresenta ao estudarmos as duas afirmações acima citadas.

Começarei pela idéia de que em uma sociedade capitalista a educação libertária nunca acontecerá. Muitos teóricos comunistas, em especial Gramsci, utilizando, é claro, os trabalhos de Marx, evocando sua correta concepção de Ideologia, nos dizem que a escola enquanto um aparelho ideológico do Estado nunca desenvolverá trabalhos que irão contra seus interesses. Para ser mais claro, isso quer dizer que num país capitalista a escola é  claramente utilizada visando dois objetivos: primeiramente para o desenvolvimento de mão-de-obra para as necessidades do mercado de trabalho e em seguida para disseminação de conteúdo de alienação em favor da perpetuação da ideologia dominante. Para a maioria dos marxistas seria preciso que primeiro houvesse uma mudança de estrutura econômica e política para o comunismo que em seguida aconteceria à reformulação na pedagogia utilizada nas escolas.

Vejo estas conclusões por dois lados, o lado correto ao mostrar a realidade de nossas escolas e o lado oportunista e contraditório dos comunistas. Contra os comunistas pesa a já consagrada sede pela revolução, ou seja, ao mostrarem as impossibilidades pedagógicas nas escolas capitalistas eles mais uma vez defendem a imediata revolução; e aí me parece morar o oportunismo.  Outro ponto está na contradição, onde não fica claro que ao mudarmos a forma de governo a educação tornar-se-á libertaria por conseqüência; para mim é exatamente o contrário, a mudança da ditadura burguesa para ditadura do proletariado somente resultará em novos donos do poder ideológico, onde a verdadeira libertação também não acontecerá.
O lado correto está na evidenciação de que enquanto a escola estiver sobre o domínio do Estado, a meu ver independentemente da forma de governo, ela sempre será usada como aparelho ideológico.

A partir desta relação, pensando na posição do terceiro setor em nossa sociedade, aonde muitas das obrigações do governo vem sendo passadas para a iniciativa de ONGs (Organizações Não Governamentais), tais como, saúde, disseminação cultural, inclusão social e até mesmo educação; vemos uma oportunidade. As ONGs enquanto mantiverem suas finalidades publicas e sem fins lucrativos, geralmente, mobilizando a opinião pública e o apoio da população para modificar determinados aspectos da sociedade, são uma esperança para a alteração da estrutura pedagógica tradicional para as teorias libertárias; visto que estas organizações podem complementar o trabalho do Estado, realizando ações onde ele não consegue chegar.

Mesmo que em uma estrutura como a de nosso país, onde fica difícil imaginarmos toda a educação desenvolvida pelo terceiro setor, vemos que a refutação da idéia comunista é pertinente. Pois, se o principal argumento em defesa da revolução primeira é que a escola é um aparelho ideológico do Estado, percebe-se que se a educação não está mais nas mãos do Estado existe a possibilidade de mudança mesmo numa sociedade capitalista.

Este argumento vem em defesa de algumas teorias anarquistas, onde a revolução, ao contrario do comunismo, acontece de baixo para cima, ou seja, mudando primeiramente a consciência geral da população, desalienando, evocando a dialética e não a figura do rei filósofo platônico, conforme as idéias comunistas, onde quem tem a sabedoria exerceria a revolução tornando a população em geral apenas máquina de manobra.

Na concepção que defendo, a mudança começa pelo povo, não pelo Estado, pela educação, não pela revolução. É claro que dirão que mesmo as ONGs, como se apresentam hoje em dia, ainda assim podem vir a ser máquinas de alienação, mas não há como refutar o argumento de que elas podem tornar-se um meio viável de mudança, e de mudança pelo desenvolvimento do pensamento crítico por meio da educação libertária a margem da ideologia dominante e do Estado, com a sociedade civil tomando as rédeas de seu próprio futuro.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Assim é a vida do homem vista de fora – Por que Sustentabilidade?

Russell escreveu antes de mim um texto com o qual eu usaria para questionar essa nova (quase velha) onda chamada Sustentabilidade.
Com os mesmo argumentos, visando apresentar a pequenez humana, discursaria sobre qual o sentido de podarmos alguns de nossos desejos em prol de uma, duas ou dez gerações a mais de nossa sociedade; visto que mesmo com a utilização de um sem número de artinhas, um dia nosso fim inevitavelmente chegará.
Fiquem com o sempre bem escrito texto de Russell.

“Os sonhos de um homem ou de um grupo podem ser cômicos, mas os sonhos humanos coletivos, para nós que não podemos ultrapassar o círculo da humanidade, são patéticos. O universo é muito vasto, como revela a astronomia. Não podemos dizer o que existe além do que os telescópios mostram. Mas sabemos que é de uma imensidão inimaginável. No mundo visível, a Via Láctea é um fragmento minúsculo; e, nesse fragmento, o sistema solar é uma partícula infinitesimal, e, dessa partícula, nosso planeta é um ponto microscópico. Nesse ponto, pequenas massas impuras de carbono e água, de estrutura complexa, com algumas raras propriedades físicas e químicas, arrastam-se por alguns anos, até serem dissolvidas outra vez nos elementos de que são compostas. Elas dividem seu tempo entre o trabalho designado para adiar o momento de sua dissolução e a luta frenética para acelerar o de outras do mesmo tipo. As convulsões naturais destroem periodicamente milhares ou milhões delas, e a doença devasta, de modo prematuro, mais algumas. Esses eventos são considerados infortúnios; mas quando os homens obtêm êxito ao impor semelhante destruição por seus próprios esforços, regozijam-se e agradecem a Deus. Na vida do sistema solar, o período no qual a existência do homem terá sido fisicamente possível é uma porção minúscula do todo; mas existe alguma razão para esperar que mesmo antes desse período terminar o homem tenha posto fim à sua existência por seus próprios meios de aniquilação mútua. Assim é a vida do homem vista de fora.”

Nosso pensador usou este texto, que é parte integrante do livro “Ensaios Céticos”,  uma coletânea de ensaios, a maioria dos quais escritos nos anos 20, sobre os mais diversos assuntos e que continuam como polêmicas de nosso tempo, para defender sua posição contra a insanidade humana ao usar mitos para basear suas condutas.
Por mais diferentes que sejam nossos enfoques, temos algo em comum, a defesa do ceticismo. Quero deixar claro que mesmo que eu tenha alguma dúvida quanto ao nível de influência humana nos acontecimentos da natureza que vem sendo relatados pela mídia especializada ou não, ainda assim meu ceticismo estaria na pergunta, “por que sustentabilidade?” e não na afirmação – que aparentemente está errada – de que o homem pouco influi nesses acontecimentos.
Conforme o próprio Russell nos diz, para resolver o problema que nos é apresentado ao vermos o homem de fora, a humanidade apelou para a religião e a filosofia.
Para seguir a filosofia ceticista descartemos a religião em nossas exposições, abdicando no mito. Tomemos então a filosofia como base. Ela pelos mais diversos meios, seja, de forma humanista, materialista ou idealista, entre outras, responderá mais ou menos satisfatoriamente, evocando a necessidade de perpetuação da raça humana e a dignificação da vida; mas queira ou não, sempre baseada em crenças. Aí mora o grande problema, ao basear-se em crenças, normalmente o homem acaba cedendo ao imediatismo de sua vida cotidiana.
Hoje me parece que a sustentabilidade se insere neste imediatismo nas necessidades capitalista de demonstração da responsabilidade social e ambiental tanto do primeiro, segundo e terceiro setores da economia. As inclinações realmente filosóficas são deixadas em segundo plano, ou seja, os homens acabam guiados por suas necessidades imediatas e não no pensamento de uma sociedade a longo prazo, o que daria o sentido ético a questão.
Não quero aqui condenar a sustentabilidade, mesmo que ache que a tomada total e sem discussão de suas práticas, como é feito ultimamente, podem tornar em alguns casos a vida do homem mais triste, algo que é indesejável; mas quero sim, atentar para a utilização em massa de um conceito filosófico em prol de ganhos, não de ganhos a humanidade como um todo, mas a economia capitalista, economia que somente sede aos meios sustentáveis até onde vai seu interesse.

O Sistema de Copérnico - Quando a Terra perdeu a posição central, girando em torno do Sol, também o homem foi deposto de sua eminência.
Referências:
RUSSELL, Bertrand. Ensaios Céticos,  Pág. 32-33, Tradução de Marisa Motta. Porto Alegre, LP&M, 2010

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Recompensas e Punições - Analisando Um Erro de Russell

“Nosso ato provém diretamente do desejo de atingir um determinado fim, não menos que do conhecimento dos meios necessários para tanto. Isso se aplica igualmente a todos os atos, sejam eles bons ou maus. Os fins diferem, e o conhecimento é mais adequando em alguns casos do que noutros. Entretanto, não há maneira concebível de levar as pessoas a fazerem coisas que não desejam. Possível é modificar seus desejos por meio de um sistema de recompensas e punições, entre as quais a aprovação e desaprovação social não sejam menos poderosas." (pg 53)

RUSSELL, Bertrand. No que acredito. L&M Pocket, Porto Alegre, RS: 2010.
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Transpondo esse ideal sistemático de recompensas e punições, para modificar nossos desejos, citado por Russell, ao sistema educacional, encontramos sua manifestação na escola tradicional do início do século XX, embasada pela nova ciência psicológica behaviorista (comportamento). Ou seja, o aluno recebia estímulos para realizar uma tarefa e ganhava recompensas se a executasse. Se houvesse erro, desobediência, ou qualquer ato inadequado, o aluno era punido até mudar sua conduta e não cometer o mesmo erro novamente. Daí que surge o massivo método de repetição usado até hoje, para fixação de condutas adequadas, de aprendizagem conteúdista. Essa questão nos remete ao condicionamento humano, (ver Skinner), por exemplo, o cachorro saliva quando está com fome, é dado um choque no animal, ele saliva e fica com fome. Ou seja, um comportamento gera uma resposta que gera uma conseqüência.  O estímulo não corresponde ao fim, seus desejos são condicionados. Outro grande exemplo vem da literatura, na obra “Laranja Mecânica” de Anthony Burgess (1962), em que o protagonista Alex, depois de tanto cometer atos maldosos, foi condicionado a não cometê-los novamente, toda vez que pensava em agredir, sentia-se enjoado e não realizava seus atos. Segundo Russell, é possível modificar os desejos através de um sistema de recompensas e punições. Carl Rogers faz uma crítica ao modelo psicológico de Skinner, para ele Skinner “privilegia conceitos como controle e previsibilidade, e dá pouco valor a conceitos como liberdade e realização pessoal. A abordagem de Rogers considera o modelo de educação e controle de comportamento de Skinner excessivamente mecanicista e determinista.”


Giorgia de Oliveira Moreira
@giorgiadoors
giorgiamoreira@hotmail.com

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Tempos Modernos


Existe um grande movimento, encabeçado por nossa presidente da república, em favor da educação no país. No seu primeiro pronunciamento em rede nacional após a posse, a substituta de “nosso salvador” elegeu exatamente essa temática para discutir, apresentando suas propostas, e claro, sem esquecer-se de mencionar sua legítima luta contra a miséria.

Com seu plano, o qual foca em escolas técnicas, com abertura de novas instituições e financiamento de estudo ao molde das bolsas do ProUni, vê-se claramente uma retomada da já ultrapassada educação tecnicista, a qual vigorou no Brasil em especial nas décadas da ditadura.
Há diversas explicações, diga-se de passagem, muito claras, a respeito dessa preocupação, tais como, a extrema necessidade de mão-de-obra por parte do mercado de trabalho nacional; as centenas de milhares (milhões) de cidadãos disponíveis para ingressarem neste mercado, com o intuito de obterem rendimentos maiores, mas que antes precisam qualificar-se; a degradação, apontada há anos, em nossas escolas públicas; e por conseqüência disso, o desnível entre estudantes formados em escolas públicas e escolas privadas. Poderíamos continuar a lista, mas nos limitaremos as estes fatores.

Torna-se claro que se estes planos funcionarem, o ganho econômico e social será de grande valia à nossa população, ou seja, a medida que desenvolvo a educação de grande parte de uma nação, estarei atendendo as demandas do mercado de trabalho, e atendendo meu próprio povo. Resultado: desenvolvimento econômico; ganho no PIB; aumento do nível de renda; aumento do grau de escolaridade média; possível erradicação, muito bem vinda e tão almejada, da miséria; entre outros desdobramentos decorrentes destes.

Sem querer ser pessimista, mas atentando para as possibilidades, sabemos que este crescimento, ou melhor, desenvolvimento das infra-instruturas de nosso país, o qual é bastante necessário, não vai durar para sempre. Desta forma, o consumismo pregado em nossa sociedade, que só tende a crescer com o ganho educacional e de capital, não sustentará nossa economia. Digo isso observando as causas da ultima grande crise mundial, mas como mera especulação. Possivelmente este tema será objeto de uma postagem neste blog daqui há alguns anos.
Mantendo a perspectiva que alguns chamarão de pessimista, é importante lembrar que numa economia capitalista o preço é regulado pela oferta e demanda, portanto é provável que profissões que hoje pagam bem devido a falta de profissionais, daqui a alguns anos com o aumento da oferta destes no mercado de trabalho, o valor do salário tenda a cair.

Por fim cheguei a meu dilema: citando o romancista, dramaturgo e talvez mais importante filósofo do século XX, Jean-Paul Sartre "me posiciono do lado daqueles que querem mudar tanto a condição social do homem quanto a concepção que ele tem de si mesmo”(1946). O quero dizer com isso? Utilizando o ideário pedagógico dialético do pensador brasileiro Demerval Saviani (1986) gostaria de demonstrar que a escola não é lugar de criação de meras máquinas para o mercado de trabalho. A educação que deveria ser o instrumento para as escolhas do homem livre, democrático, cidadão e autônomo acaba, então se tornando mais uma ferramenta de manipulação e de minimização do pensamento crítico na sociedade. Ela legitima as diferenças sociais e marginaliza, ao invés de tencionar a luta contra a ideologia das classes dominantes, e dos direitos dos seres humanos: o conhecimento, que deve ser universal e possibilitado a todos.

Com essa análise, a crítica à escola tecnicista me parece simples e viável, pois conforme nosso teórico, o que devemos visar na relação entre a educação e a sociedade é a responsabilidade dos professores em transformar, não o mundo, mas sim cada indivíduo que assiste sua aula,  ajudando-o a compreender melhor os acontecimentos como um todo, assim como seu papel dentro do sistema, seus deveres e seus direitos. Somente desta forma é que construiremos o já anunciado, e a meu ver de modo equivocado, “país melhor”.