sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Notas Sobre Um Paradigma Da Informação

Nos dias atuais as aparências apresentam uma situação singular, não mais como o "fim de um sonho", comum aos anos setenta, com o fim do toda contracultura “sessentista”, mas podemos dizer, com um olhar superficial da sociedade, que já vivemos o início de um pesadelo. Falo daquele pensamento revolucionário de mudança social, política e econômica, por certo um desejo de transformação generalizada e em contexto mundial.
É comum vermos as pessoas que ainda cultivam esses ideais reclamarem por sentirem-se sozinhas em meio à maioria esmagadora que está entregue aos encantos da vida capitalista.
Uma pergunta sobre este tema foi parte integrante do texto em forma de entrevista elaborado (tanto as perguntas quanto as respostas) pelo filósofo francês Michel Foucault e por C. Delacampagne representante do jornal “Le Monde”, que encomendou o texto. O título foi “Le Philosophe masqué” (O filosofo mascarado), publicado em 06 de abril de 1980.
Foucault que solicitou não ser identificado na entrevista, por isso o título, respondeu a seguinte pergunta: “Você acredita que nossa época está realmente sem espíritos à altura dos seus problemas e dos grandes escritores?”
Vê-se que o problema já era relevante no início da década de 80 e sobre ele o pensador francês respondeu, de forma contraditória, que não acreditava no “refrão da decadência, da ausência de escritores, da esterilidade do pensamento, do horizonte negro e tétrico”. Exaltando a capacidade humana de manifestar a curiosidade, Foucault parece esquecer, mas penso que de forma intencional, com o intuito de destacar outro problema que tratarei em seguida, que nossa sociedade está absorvida pelo senso comum e pelo que Paulo Freire chama de “curiosidade ingênua”.
Não vou entrar no mérito do que é curiosidade ingênua, mas torna-se claro que ela é o que caracteriza o senso comum e dela resulta certo saber, mas sim, quero discutir o que é definido por Freire como “curiosidade epistemológica”, que é exatamente a curiosidade que Foucault destaca em seu texto. Esta caracteriza-se por ser mais metódica e mais rigorosa que a primeira, portanto uma curiosidade crítica por essência.
Ao exaltar a existência do pensamento crítico em nossa sociedade, algo que acredito que nos trinta anos passados diminuiu significativamente, Foucault procura nos alertar de outro mal, a minimização dos meios de disseminar-se informação. Segundo ele o “problema consiste em multiplicar os canais, as passarelas, os meios de informação, as redes televisivas e as radiofônicas, os jornais.”
Partindo deste principio necessário ao desenvolvimento da consciência humana, vemos já há algum tempo que a internet, as possibilidades abertas pela TI, podem tornar esses meios mais democráticos. No entanto, conforme John A. Mathews mostra em seu famoso artigo “New production concepts” (Novos conceitos de produção) de 1999, o qual discursa sobre a eminente mudança de paradigma de produção, essas novas ferramentas podem ser usadas para disseminar informação com o intuito de obter-se uma produção sustentável e flexível que deve ir além da organização do trabalho, passando pela mudança de aspectos técnicos, econômicos, políticos e sociais, ou simplesmente para automatização contínua de sistemas produtivos sem mudança na essência da organização do trabalho. Analogamente a esse conceito, vemos um dilema, utilizar a TI para verdadeiramente democratizar a informação, como pretende Foucault, ou para meramente intensificar a de caráter ingênuo, de marketing e visando a perpetuação do capitalismo exacerbado.
Para Foucault deve-se evitar “chamar mídia os canais de informação aos quais não se pode ou não se quer ter acesso” e a internet, diferentemente da maioria dos meios clássicos de mídia moderna, atente a este quesito. Portanto acho legítima a utilização da mesma, seja para pequenas ações, como o chamado “tuitaço”, por entender que é hora de a utilizarmos para o fim coerente com nosso sonho citado no começo do texto.
Gostaria de destacar mais uma frase do filósofo mascarado.

“Sonho com uma nova idade da curiosidade. Os meios técnicos existem; o desejo existe; as coisas a conhecer são infinitas; as pessoas que podem empenhar-se nesta tarefa existem. De que então sofremos? De escassez: canais estreitos, exíguos, quase monopolistas, insuficientes.” (Michel Foucault)

Fica agora a pergunta a ser respondida: Será que ainda sofremos desta escassez ou não sabemos utilizar os canais de informação disponíveis de forma coerente?


 Referências:

FOUCAULT, Michel. Archivio Foucault. Vol. 3. Estetica dell’esistenza, etica, politica. A cura di Alessandro Pandolfi. Milano, Feltrinelli, 1994, pp. 137-144. Tradução portuguesa de Selvino José Assmann. Fpolis, setembro de 2000.

MATHEWS, John A. New Production Concepts. Prometheus, Vol. 7. No. 1, Junho de 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, São Paulo, Paz e Terra, 2010.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

3 Álbuns - Álbum 3

OS CONSAGRADOS

O “Show Opinião”, este é o terceiro álbum escolhido. Fechando a lista, este título representa os Consagrados da música brasileira. Gostaria de destacar algo de especial nos três artistas que juntos contribuíram para esta obra. Nara Leão, João do Vale e Zé Keti, mesmo sendo reconhecido por sua excelência artística não são muito conhecidos pelo grande público, pelo menos para as novas gerações e no abrangente de suas obras.
Venho aqui falar em especial do “Show Opinião”, que na época de seu lançamento tornou-se muito popular, isso em especial devido a ele ter surgido a partir de um espetáculo musical. Dirigido por Augusto Boal, produzido pelo Teatro de Arena e por integrantes do Centro Popular de Cultura da UNE - instituição que, a esta altura, havia sido colocada na ilegalidade pelo regime militar recentemente instaurado no Brasil.
Os três atores-cantores intercalavam canções a narrações referentes à problemática social do país. O texto era assinado por Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes.
O show-manifesto estreou em 11 de dezembro de 1964, alguns meses depois do golpe militar, no teatro do Shopping Center Copacabana, sede do Teatro de Arena no Rio de Janeiro.
O show tornou-se uma referência na chamada "música de protesto" e é considerado um dos mais importantes da história da música popular brasileira.
O álbum de 1965 nada mais é que a gravação de um dos espetáculos apresentados.

 
3 Álbuns - Álbum 1 :

3 Álbuns - Álbum 2 :

3 Álbuns - Álbum 2

OS MALDITOS

Para caracterizar os Malditos da música brasileira escolhi o álbum “Alucinação” de 1976. É uma obra de um dos artistas mais subestimados de nossa arte musical, Belchior.
Muitas pessoas que adoram música “Como nossos pais”, interpretada lindamente pela grande Elis Regina nem imaginam que a composição é de Belchior. Esta música, bem como “Velha roupa colorida”, também interpretada pela Elis, fazem parte deste álbum do autor.
A obra e um verdadeiro manifesto político e social em forma de arte. Todas as canções tem letras extremamente bem escritas, e feitas para apresentar uma ideologia vinda do artista.
Com sua mistura sonora, temos um som com um toque de “brega”, típico de Belchior e a psicodelia que se apresenta logo na capa, contra-capa e encarte do disco.
Além das músicas supracitadas, podemos destacar também “Apenas um rapaz latino-americano”, “Sujeito de Sorte” e a faixa que dá o título do álbum, “Alucinação”.
Esta é uma obra obrigatória aos amantes da música popular brasileira e apreciadores de uma boa letra com cunho de protesto.


3 Álbuns - Álbum 1 :

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Anarquistas Também Amam (A Filosofia do Amor)

Boa noite amor,

Ontem quando me despedi de você e voltei para casa, fiquei pensando em nossa conversa, em nosso acordo, o qual, até certo ponto, pareceu-me forçado. Um acordo em que apresenta-se uma imposição não se torna justo, ele é sim um exercício de autoritarismo, e infelizmente neste caso vindo de minha parte.

Como anarquista, nem mesmo nas relações sociais, ou no caso amorosa, posso admitir este tipo de atitude, se aceitá-la não estarei sendo ético nem comigo, nem contigo.
Fiquei um bom tempo refletindo sobre o assunto sem conseguir chegar a uma conclusão que satisfizesse meu desejo de ter um pouco de paz de espírito e de ao mesmo tempo ser fiel a meus ideais.

A noite peguei o livro que estou lendo e logo na primeira página a resposta veio a tona, não para minha angústia, mas dizendo o por que dessa situação.

Pode parecer estranho mas as vezes pensamos que o estudo da filosofia só se apresenta na prática, ou como Práxis, no âmbito de filosofias políticas e sociais, mas ela é tão ou mais importante para nossas relações sociais, nosso dia-a-dia, e baseando-se nela pude entender melhor esse envolvimento, em especial no dilema que hoje tenho contigo.

 

Lembrando que nosso acordo diz respeito a limitação de nossa liberdade em favor de uma aparente relação mais tranquila, seja para mim seja para você, ao ler o trecho no livro onde o filosofo, dramaturgo e romancista francês Jean-Paul Sartre, velho conhecido nosso, expõem suas constatações sobre a liberdade e ou outrem, tive a visão da discussão que se impôs entre nós e a prova da inevitabilidade de tal tensão.

 

Essa relação de tensão existencial entre o eu e outrem, no caso entre nós, segundo Sartre é até onde pode ir a liberdade, visto que “o único limite com o qual pode se deparar a liberdade vem da relação com outrem”. Como pode ver, isso é algo inevitável em qualquer relacionamento, portanto não é exclusividade nossa.

Mas há, como podemos sentir em nosso coração, o lado podre desse estudo. Ao avançar no assunto Sartre por fim chega a triste conclusão: “Como só há escolha fenomênica e liberdade absoluta, não pode haver amor absoluto.”

 

Essa constatação apresentou-se para mim como o fim de um sonho, no entanto, um que já estava programado para expirar. Mas ainda há uma saída, e o filosofo, com uma aparente, mas só aparente, contradição, mostrou-me a resposta para minha angústia.

A resposta se evidencia quando nossa livre existência é retomada e desejada por uma liberdade absoluta que ela ao mesmo tempo condiciona e que nós mesmos desejamos livremente. Ou seja, “o fundo da alegria do amor, quando ela existe, é sentirmo-nos justificados por existir.”

 

Para nossa relação seria aceitar um acordo ou uma limitação da liberdade, mas não para satisfazer o outro, e sim para satisfazer nós mesmos.

 

Fica a pergunta: Isso é possível para nós?

 

Com carinho.

 

 

domingo, 23 de janeiro de 2011

A Culpa é de Quem? (Sobre as Tragédias)

Quando da tragédia que assolou Lisboa em 1755, os pensadores Voltaire e Rousseau travaram uma discussão em torno do que gosto de definir como “de quem é a culpa?”, ou seja, para Voltaire segundo seu poema sobre o desastre de Lisboa, mesmo que não explicitamente, a culpa seria de Deus, pois Ele sendo um ser benevolente e onipotente, não deveria permitir tal acontecimento a humanidade. Já para Rousseau a culpa não é de Deus, visto que são os homens que se amontoam em um espaço reduzido propensos a esse tipo de fato.

Uma discussão dessas me parece sem fim, mas queria atentar para outra observação importante de Voltaire em seu texto. Ele parece não aceitar que Deus é ao mesmo tempo benevolente e onipotente, pois se Ele permite tal flagelo, não é benevolente, ou se realmente o for, então não será onipotente, pois não é capaz de impedí-lo.
Venho, com esta observação, não defender o ateísmo, mesmo como ateu que sou, mas para demonstrar minha revolta com essa estagnação do pensamento. Por exemplo: ao ver o noticiário, onde apresentam um mundo de tragédias sem fim, ou, um sem fim de tragédias no mundo, em especial nos últimos dias com as enchentes no Brasil, por várias vezes assisto, diferentes pessoas, vítimas, se colocando como meros fantoches, ao declarem, quando do recebimento de uma ajuda – seja por parte do governo, de filantropos, de voluntários, de vizinhos – muito satisfeitos, agradecendo a Deus pela ajuda bem vinda, mas mesmo que sem esquecerem de tudo que os aconteceu, aparentemente aceitam tal situação como sendo algo da natureza, do desejo divino, sem a menor contestação. Essa aceitação das regras divinas nos remetem a uma mesma aceitação do jogo dos homens, dos termos definidos pela elite dominante, pelo governo hipócrita, pelos discursos alienantes – políticos ou teológicos.

A mesma pergunta que podemos fazer a um Deus que segundo consta é benevolente e onipotente, mas aparece-nos como indiferente esses tristes acontecimentos: “que Deus é esse?”; podemos fazer a nossos representantes, as “vozes do povo”, que não tomam providências para evitar esse infortúnios: “que governo é esse?”. Como já enfatizei muitas vezes em textos anteriores, para mim essas providências devem partir da educação, pois se os homens que construíram casas de 6 andares a beira mar em Lisboa no século XVIII tivessem uma educação coerente (sem entrar desta vez no mérito de o que é educação coerente), eles com certeza, não teriam as feito, pois estariam cientes das possibilidades e dos danos causados a natureza e em contra-partida ao próprio homem. É claro que possivelmente, para o homem do século XVIII, tais conhecimentos ainda precisavam ser desenvolvidos, mas para a realidade presente vejo possível. Entendo que só a ganancia desmedida, a ocupação sem nenhuma preocupação – com o natural, com o ambiente e com o habitat – é tão responsável pelas tragédia quanto o próprio Deus.

Portanto, a margem de Deus, somos seres capazes e devemos lutar por nossa integridade – seja física, seja mental – e essa luta deve partir de uma cobrança de nos mesmo e de nossos representantes, começando pela mudança do pensamos comum para pensamento crítico, o que resultará na evidenciação de necessárias ações civis a serem tomadas para evitar novos erros que se tornaram corriqueiros e até certo ponto são tolerádos em nossa sociedade.


sábado, 22 de janeiro de 2011

O que se entende por rock brasileiro?

Após várias discussões filosóficas, alucinógenas e espirituais – espirituais, devido a química, é claro! – acho que enfim compreendemos a ideia do que é o verdadeiro rock brasileiro.
A ideia inicial de renegar o que tem-se como indiscutívelmente rock nacional, tal como o sonho vindo de ”Os Mutantes” ou mesmo com o que é hoje é tido como “a década do rock” no Brasil, o que gostamos de chamar de “roquizinho dos anos 80”, pode ser difícil de aceitar, mas pelo nosso entendimento isso não é rock brasileiro.
Consideramos como o que há de melhor em termos de rock brasileiro “Os Novos Baianos”. Você pode me perguntar porque?
A resposta, o som é autêntico, é brasileiro, é de atitude, é ideologia, cultural, original, é expressão artística e também é rock. Ouvimos suas músicas e não nos remete a algum som ou uma estética pronta, estáticas em geral vinda de fora, importadas. Encontramos nesse som influências do rock e do samba, até mesmo baião, ultrapassando a invisível barreira cultural que na verdade não deveria existir, restringindo as posibilidades de criação para com  junção dessas vertentes musicais. Vemos sim a fusão delas para algo completo, singular. Ao apreciarmos este tipo de som temos certeza de que há identidade brasileira, como ocorreu com a “bossa nova” anos antes, onde o mundo nos promoveu a jazz, extrapolando nossas fronteiras. Assim é “Os Novos Baianos”, rock e samba igual a rock brasileiro.


PS: Para que compreendeu, ou quer saber mais, veja o vídeo indiaco abaixo. Compare com os mesmos critérios apresentados a banda Planet Hemp, pois ela também representa uma vanguarda musical genuinamente brasileira, bem como tente usar essa comparação para as bandas brasileiras que você gosta, então comente nos mostrando outros nomes.




Giorgia de Oliveira Moreira e Vinicius Nesi.
Joinville, janeiro de 2011.
Ao som de “Os Novos Baianos”, com alguns entorpecentes.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

"Ensinar exige liberdade e autoridade"

Texto retirado no livro "Pedagogia da Autonomia - Saberes Necessário a Prática Educativa" de Paulo Freire. Na parte 4 do capítulo 3 o autor nos apresenta a relação de tensão entre Autoridade e Liberdade. Relação que vejo necessária, e que deve estar presente, na medida certa, em grande parte das relações sociais do ser humano independente da filosofia política escolhida.


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Noutro momento deste texto me referi ao fato de não termos ainda resolvido o problema da tensão entre a autoridade e a liberdade. Inclinados a superar a tradição autoritária, tão presente entre nós resvalamos para formas licenciosas de comportamento e descobrimos autoritarismo onde só houve o exercício legítimo da autoridade.
Recentemente, jovem professor universitário, de opção democrática, comentava comigo o que lhe parecia ter sido um desvio seu no uso de sua autoridade. Disse, constrangido, ter se oposto a que aluno de outra classe continuasse na porta entreaberta de sua sala, a manter uma conversa gesticulada com uma das alunas. Ele tivera inclusive que parar sua fala em face do descompasso que a situação provocava. Para ele, sua decisão, com que devolvera ao espaço pedagógico o necessário clima para continuar sua atividade específica e com a qual restaurara o direito dos estudantes e o seu de prosseguir a prática docente, fora autoritária. Na verdade, não. Licencioso teria sido se tivesse permitido que a indisciplina de uma liberdade mal centrada desequilibrasse o contexto pedagógico, prejudicando assim o seu funcionamento.
Num dos inúmeros debates de que venho participando, e em que discutia precisamente a questão dos limites sem os quais a liberdade se perverte em licença e a autoridade em autoritarismo, ouvi de um dos participantes que, ao falar dos limites à liberdade eu estava repetindo a cantinela que caracterizava o discurso de professor seu, reconhecidamente reacionário, durante o regime militar. Pra o meu interlocutor, a liberdade estava acima de qualquer limite. Para mim, não exatamente porque aposto nela, porque sei que sem ela a existência só tem valor e sentido na luta em favor dela. A liberdade sem limite é tão negada quanto a liberdade asfixiada ou castrada.
O grande problema que se coloca ao educador ou à educadora de opção democrática é com trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade do limite seja assumida eticamente pela liberdade. Quanto mais criticamente a liberdade assuma o limite necessário tanto mais autoridade tem ela, eticamente falando, para continuar lutando em seu nome.
Gostaria uma vez mais de deixar bem expresso o quanto aposto na liberdade, o quanto me parece fundamental que ele se exercite assumindo decisões. Foi isso, pelo menos, o que marcou a minha experiência de filho, de irmão, de aluno, de professor, de marido, de pai e cidadão.
A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do estado. É claro que, nem sempre, a liberdade do adolescente faz a melhor decisão com relação a seu amanhã. É indispensável que os pais tomem parte das discussões com os filhos em torno desse amanhã. Não podem nem devem omitir-se mas precisam saber e assumir, que o futuro de seus filhos é de seus filhos e não seu. É preferível, para min, reforçar o direito que tem a liberdade de decidir, mesmo correndo o risco de não acertar, a seguir a decisão dos pais. É decidindo que se aprende a decidir. Não posso aprender a ser eu mesmo se não decido nunca, porque há sempre a sabedoria e a sensatez de meu pai e minha mãe a decidir por mim. Não valem argumentos imediatista como: "Já imaginou o risco, por exemplo, que você corre, de perder tempo e oportunidade, insistindo nessa idéia maluca???" A idéia do filho, naturalmente. O que há de pragmático em nossa existência não pode sobrepor-se ao imperativo ético de que não podemos fugir. O filho tem, no mínimo, o direito de provar a maluquice de sua idéia. Por outro lado, faz parte do aprendizado da decisão a assunção das conseqüências do ato de decidir. Não há decisão a que não se sigam efeitos esperados, pouco esperados ou inesperados. Por isso é que a decisão é um processo responsável. Uma das tarefas pedagógicas dos pais é deixar óbvio aos filhos que sua participação no processo de tomada de decisão deles não é uma intromissão mas um dever, até, desde que não pretendam assumir a missão de decidir por eles. A participação dos pais se deve dar sobretudo na análise, com os filhos, das conseqüências possíveis da decisão a ser tomada.
A posição da mãe ou do pai é a de quem, sem nenhum prejuízo ou rebaixamento de sua autoridade, humildemente, aceita o papel de enorme importância de assessor ou assessora do filho ou da filha. Assessor que, embora batendo-se pelo acerto de sua visão das coisas, jamais tente impor sua vontade ou se abespinha porque seu ponto de vista não foi aceito.
O que é preciso, fundamentalmente mesmo, é que o filho assuma eticamente, responsavelmente, sua decisão, fundante de sua autonomia. Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. Por que, por exemplo, não desafiar o filho, ainda criança, no sentido de participar da escolha da melhor hora para fazer seus deveres escolares? Porque o melhor tempo para esta tarefa é sempre o dos pais? Por que perder a oportunidade de ir sublinhando aos filhos o dever e o direito que eles tem, como gente, de ir forjando sua própria autonomia? Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, aos 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiência respeitosas da liberdade.
Uma coisa me parece muito clara hoje: jamais tive medo de apostar na liberdade, na seriedade, na amorosidade, na solidariedade, na luta em favor das quais aprendi o valor e a importância da raiva. Jamais receei ser criticado por minha mulher, por minhas filhas, por meus filhos, assim como pelos alunos e alunas com quem tenho trabalhado ao longo dos anos, porque tivesse apostado demasiado na liberdade, na esperança, na palavra do outro, na sua vontade de erguer-se ou reerguer-se, por ter sido mais ingênuo do que crítico. O que temi, nos diferentes momentos de minha vida, foi dar margem, por gestos ou palavrões, a ser considerado um oportunista, um realista, um homem de pé no chão, ou um desses equilibristas que se acham sempre em cima do muro à espera de saber qual a onda que se fará poder.
O que sempre deliberadamente recusei, em nome do próprio respeito à liberdade, foi sua distorção em licenciosidade. O que sempre procurei foi viver em plenitude a relação tensa, contraditória e não mecânica, entre autoridade e liberdade, no sentido de assegurar o respeito entre ambas, cuja ruptura provoca a hipertrofia de uma ou de outra.
É interessante observar como, de modo geral, os autoritários consideram, amiúde, o respeito indispensável à liberdade como expressão de incorrigível espontaneísmo e os licenciosos descobrem autoritarismo em toda manifestação legítima da autoridade. A posição mais difícil, indiscutivelmente correta, é a democrata, coerente com seu sonho solidário e igualitário, para quem não é possível autoridade sem liberdade e esta sem aquela.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, São Paulo, Paz e Terra, 2010.

domingo, 2 de janeiro de 2011

3 Álbuns - Álbum 1

Nos últimos dias fiz um resgate dos malditos, e de outros nem tão malditos assim, da música brasileira. Na verdade, vou confessar, alguns consagrados também. Um resgate de minha memória musical. Fui atrás de discos, bandas, interpretes... sons que conhecia e sons que ainda eram um tanto quando desconhecidos para mim.
Esqueci por algum tempo do “bom e velho rock’n’roll”, para usar uma frase clássica. E esqueci também de alguns músicos brasileiros muito caros para mim, tais como, Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Baden Powell, Novos Baianos, Jorge Ben, Caymmi, Cartola e também Raul Seixas.

Agora gostaria de compartilhar com os possíveis leitores algumas maravilhas musicas ou até mesmo, pode-se dizer,  importantes manifestos contra-culturais, verdadeiros documentos históricos.
Serão 3 posts, cada um com um disco selecionado, tentando abranger a diversidade de música e artistas envolvidos utilizando de 3 classificações distintas.

Segue o primeiro:

OS MARGINALIZADOS

Escolhi o disco Revolver – não o bom, mas normalmente superestimado clássico álbum pop de 1966 – mas ao contrário, um álbum nacional, de 1975 do compositor Walter Franco. Este caracteriza os marginalizados da música brasileira. Isso mesmo, marginalizados, nem malditos são. A classificação se dá para certos discos que ficam a margem de qualquer adjetivo vindos da maior parte dos possíveis apreciadores. A margem seja por desconhecimento ou por descaso. Este álbum em especial, ao menos já teve algum reconhecimento, quando avaliado pela revista Rolling Stones (que fique anotado neste depoimento que não gosto desta revista), o colocando em quinquagésimo lugar na lista Top 100 Álbuns de Música Brasileira.

No álbum Revolver Walter Franco continua sua “Mixturação”! Esse é o título da primeira faixa de seu trabalho de estréia e me parece uma ótima definição para seu estilo, uma verdadeira mistura de sons. Essa atitude sonora o colocou sempre na vanguarda artística em seu tempo, mesmo não participando de nenhum movimento cultural musical tais como Bossa Nova ou mesmo o Tropicalismo.
Sobre do álbum: Seu título Revolver (não Revólver), pois segundo Walter Franco, “no princípio era o verbo”. Utiliza-se de muitas guitarras, o aproximando do rock, bem como elaborados efeitos de estúdio, mas mesmo assim fica claro que o disco não se prende a nenhum estilo de arranjo, mas está sempre buscando uma sonoridade diferente.