sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Entre os Muros da Escola

Apresento um texto retirado do livro “Pedagogia da Autonomia” de Paulo Freire, publicado pela primeira vez em 1996, um ano antes de sua morte. O educador e filósofo brasileiro tinha então 75 anos e discursava sobre a necessidade do professor e do aluno assumirem-se como seres sociais e históricos. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. Neste breve trecho autobiográfico ele tentava demonstrar os méritos desta prática.

“Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo. Nunca me esqueço, na história já longa de minha memória, de um desses gestos de professor que tive na adolescência remota. Gesto cuja significância mais profunda talvez tenha passado despercebida por ele, o professor, e que teve importante influência sobre mim. Estava sendo, então, um adolescente inseguro, vendo-me como um corpo anguloso e feio, percebendo-me menos capaz do que os outros, fortemente incerto de minhas possibilidades. Era muito mais mal-humorado que apaziguado com a vida. Facilmente me eriçava. Qualquer consideração feita por um colega rico da classe já me parecia o chamamento à atenção de minhas fragilidades, de minha insegurança.
O professor trouxera de casa os nossos trabalhos escolares e, chamando-nos um a um, devolvia-os com o seu ajuizamento. Em certo momento me chama e, olhando ou re-olhando o meu texto, sem dizer palavra, balança a cabeça numa demonstração de respeito e de consideração. O gesto do professor valeu mais do que a própria nota dez que atribuiu à minha redação. O gesto do professor me trazia uma confiança ainda obviamente desconfiada de que era possível trabalhar e produzir. De que era possível confiar em mim mas que seria tão errado confiar além dos limites quanto errado estava sendo não confiar. A melhor prova da importância daquele gesto é que dele falo como se tivesse sido testemunhado hoje. E faz, na verdade, muito tempo que ele ocorreu...”

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, São Paulo, Paz e Terra, 2010.


 Termino com a indicação do filme "Entre os muros da escola" (foto) 2008 Entre Les Murs de Laurent Cantet. Vencedor da Palma de Ouro de melhor filme é uma verdadeira obra-prima que tem sua temática totalmente voltada para a relação que Paulo Freire expos.

3 comentários:

  1. Esse trecho do livro realmente é inesquecível. Eu até havia separado uma vez para ler para você Vinicius. Em relação ao filme, realmente um dos melhores, senão o melhor para representar a pedagogia, pois já assiti cada absurdo, até na faculdade, filminhos de sessão da tarde sobre superação do professor diante das dificuldades, como se fosse fácil, esquecendo de todo aparato filosófico e reflexivo que envolve o processo educacional.

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  2. Perfeitamente Giorgia,

    Emocionei-me ao ler esse trecho do livro, não tinha como não postá-lo. Espero que pessoas o leiam, pois é para instigá-los que coloquei no blog. Sei que é difícil, mas serei bom e importante acontecesse.

    O filme nem se fala, é simplesmente perfeito. Apresenta-nos rara oportunidade de desfrutar da verdadeira obra artística baseada no cinematógrafo de Bresson. Por consequência da obra ser cinematógrafo, não cinema, que podemos visualizar a perfeita representação da pedagogia, sem romancear e distorcer a realidade por necessidades, sejam estetas, comerciais, entre outras. Fato que se torna impossível em filmes de cinema.

    É imperdível!

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  3. ERRATA: onde escrito "estatas", lê-se "estéticas".

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