Gostaria de abrir uma discussão a respeito de um dos tabus da sociedade atual, em especial da sociedade brasileira. Durante a última campanha eleitoral, vimos candidatos e até mesmo nosso presidente exaltar por diversas vezes nossa democracia. A frase “a democracia brasileira, uma das maiores do mundo” já se tornou um clichê de tão repetida, denotando algo indispensável em sociedades evoluídas. Mas lhes pergunto: o que é essa tal de democracia? Por que ela é tão necessária a nossa sobrevivência de tal forma a ter se tornado um dogma social, intocável e inquestionável?
A definição de democracia é a seguinte: um regime de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos, ou seja, nas mãos do povo, direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos — forma mais usual. Nossa democracia, a brasileira, é essencialmente indireta, ou representativa, onde o povo expressa sua vontade através da eleição de representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram.
Apesar de não ser meu foco, quero também apresentar a definição de autocracia, a qual situa-se como a forma oposta de regime a democracia: é uma forma de governo na qual um único homem detém o poder supremo. Ele tem controle absoluto em todos os níveis de governo, sem o consentimento dos governados.
Mesmo que estas definições aparentemente mostrem que a democracia é a melhor escolha, vejo com certo temor essa “inquestionabilidade”, não só da democracia, mas de qualquer paradigma, seja social, cultural, científico ou de qualquer outra área do conhecimento que se possa imaginar.
A democracia é aceita como regime de governo em quase 100% dos países modernos, então por que isso estaria errado?
Em primeiro lugar entendo que a convicção é extremamente nociva a busca da verdade. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche dizia que a convicção é mais inimiga da verdade que a própria mentira. Posso fazer uma releitura dessa frase imaginando que a partir do momento que alcançamos a perfeição, deixamos de evoluir, mas quem define a perfeição? Quem disse que a democracia é a perfeição?
Immanuel Kant via com ressalvas a democracia. Mesmo que pareça incoerente, ele considerava a democracia déspota como essência. Dizia que se a democracia é um sistema onde a maioria decide, a partir do momento que um membro dessa sociedade destoasse da massa, da maioria, este estaria sofrendo de despotismo, pois teria que aceitar calado a decisão escolhido por critério de maioria. A de se concordar que no fundo ele tem razão. Mas Kant, infelizmente, achava preferível um regime autocrata onde o governante tomasse decisões pensando no bem comum de todos os seus governados.
Apesar de não aceitar a autocracia como forma de regime moderna, entendo a crítica de Kant a democracia, pois a escolha da maioria não significa que será uma escolha racional, e isso pode ser entendido analisando sociedades como a brasileira, onde o povo vive alienado por políticas neo-liberais, mascaradas pelo populismo desenfreado de líderes que se fossem substituídos pela sua oposição não sentiríamos a mínima diferença. Nossa sociedade vive subjugada a ideologia aos moldas da definição de Marx. Portanto fica claro que “o direito, não está nos números, mas na razão, e a justiça não está na contagem de cabeças, mas na liberdade do coração dos homens.”
Se aceitarmos que o anarquismo é a evolução das filosofias políticas, entenderemos o porque da democracia ser nociva. Na democracia prega-se a soberania do povo, no anarquismo prega-se a soberania do individuo. Ele, o anarquismo, rejeita instituições parlamentares aos moldes das democráticas, pois entende que o indivíduo abdicou de sua soberania, delegando-a a um representante, e ao fazê-lo, permitiu que fosse tomadas decisões em seu nome, sobre as quais não tem nenhum controle. A partir dessa afirmação podemos começar a notar em nosso meio, certa insatisfação com a democracia, pois vemos inúmeras reclamações sobre nossos representantes eleitos, mas por que na verdade não fazemos uma análise, questionando a própria forma escolhida como regime e não quem escolhemos como nossos porta-vozes. Será que não devemos ser porta-vozes de nós mesmos?